Encontro de Profissionais da Escrita

O acordo ortográfico de 1990

 
“Quer com ou sem o novo acordo?” Esta deve ser das perguntas que os tradutores portugueses mais fazem aos seus clientes. Não basta saber que a tradução é em português europeu. É necessário sabermos se o texto traduzido deve respeitar as regras do chamado novo acordo ortográfico (AO90), ou não.

O acordo ortográfico de 1990 entrou em vigor em 2009, tendo sido estabelecido um período de transição de seis anos. Ou seja, em 2017 já deveríamos estar todos a escrever “ação” em vez de “acção”. Mas não estamos. O AO90 continua a ser um forte gerador de discórdia entre falantes da língua portuguesa em Portugal. Este tratado internacional, cujo objetivo passava por uniformizar a ortografia oficial de todos os países de língua portuguesa, está longe de ser consensual. Há quem o aceite, naturalmente. No entanto, muitas são as vozes de contestação. Inúmeros cidadãos lutam há anos pela revogação do AO90, manifestando-se através de desabafos em grupos de Facebook, artigos de opinião na imprensa, assinatura de petições e até ações judiciais.
 

Encontro de Profissionais da Escrita

 
Com esta problemática em mente, realizou-se no passado dia 9 de março, nas instalações da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), um Encontro de Profissionais da Escrita. Este evento pretendeu envolver todos os que fazem da escrita parte fundamental da sua atividade profissional. Entre eles, tradutores, escritores, professores de língua portuguesa e jornalistas.
A manhã começou com o testemunho da APP – Associação de Professores de Português. Pela voz da presidente Edviges Antunes Ferreira, foi recordada a primeira reforma ortográfica de 1911, também muito contestada. Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa foram duas das figuras que, na altura, manifestaram o seu forte desagrado.

 

Poucos se lembrarão que, até ao início do século passado, os portugueses escreviam com y (hygiene), th e ph (orthographia). As consoantes duplas também abundavam: diccionario, grammatica, officina, collegio, annuncio, etc. Era assim a língua portugueza.

 

De seguida, foi dada a palavra a uma representante da ANPROPORT – Associação Nacional de Professores de Português. A oradora destacou, dando casos concretos, a existência de “imprecisões, erros e ambiguidades” no AO90. Afirmou mesmo que este põe em causa o caráter normativo da língua.

Por sua vez, José Manuel Mendes da Associação Portuguesa de Escritores (APE) conta que a maioria dos escritores portugueses rejeita o novo acordo. O presidente da associação apresentou os resultados de um inquérito à classe profissional: mais de 80 % dos inquiridos estão contra o AO90.

Ao final da manhã foi dada a palavra a uma representante da DECO PROTESTE. Inês Lourinho falou dos constantes desafios que enfrenta com a aplicação do acordo ortográfico, implementado pela revista. A jornalista referiu que, para todas as edições, é necessário tomar decisões linguísticas. A língua é de evolução rápida e isso traduz-se na incorporação de novos termos, frequentemente estrangeirismos. Ditam as regras que os termos estrangeiros se devem grafar com itálico. Mas o que fazer quando temos textos repletos de estrangeirismos? A decisão da equipa editorial passou pela supressão total dos itálicos e pelo recurso a caixa baixa.

 

E o que fazer quando surgem dúvidas relativas à forma de escrever um determinado termo e os dicionários não têm respostas coincidentes?

 

Poucos discordarão que o AO90 contém ambiguidades. Essas ambiguidades resultaram em diferentes interpretações do acordo e, consequentemente, em diferentes referências dos mesmos termos pelos dicionários. As dificuldades são reais e as dúvidas não se dissipam facilmente. Contudo, a revista continuará a publicar os seus textos com o acordo de 1990. Isto apesar dos inúmeros sócios que a DECO PROTESTE perdeu apenas porque decidiu passar a escrever segundo o que alguns apelidam de “acordês”.

No período da tarde, Sofia Branco, presidente do Sindicato de Jornalistas, começou por confessar que equacionou a sua participação neste evento. A jornalista afirmou que o Sindicato não tem uma posição oficial relativamente ao acordo. O tema já foi debatido, mas o resultado foi sempre o desacordo entre os membros do Sindicato. Na prática, a ortografia usada depende de quem escreve. Existe, todavia, um ponto de união entre estes jornalistas: são contra a indefinição. Por outro lado, quem trabalha para a Agência Lusa, como é o caso de Sofia Branco, é obrigado a escreve com o AO. Na Lusa usa-se sempre a nova ortografia. Refutar simplesmente não é uma opção.

O jornalista Nuno Pacheco, redator-principal do jornal Público, foi outra das vozes ouvidas contra o AO90. Um autoproclamado “adversário do acordo ortográfico de 1990”, Nuno Pacheco defende que não existem vantagens no seu uso. Afinal, existiam duas ortografias oficiais para a língua portuguesa e continuam a existir (a de Portugal e a do Brasil). O acordo não alterou isso, como era seu propósito, com a agravante de agora termos ambiguidades e duplas grafias. O jornal diário nunca chegou a adotar a nova ortografia, decisão que se manterá.
 

Corrigir as falhas do acordo?

 
A Academia das Ciências de Lisboa fez referência ao documento “Sugestões para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”. Este documento é uma proposta da ACL que visa a abertura de um processo de revisão do acordo em vigor. A Academia sugere, assim, alterações e correções, numa tentativa de acabar com o ‘desacordo’ existente. Mas, para isso, será necessária abertura política.

O futuro do acordo não é fácil de adivinhar mas as opções passam pela sua continuação, exatamente conforme se encontra; pela sua revogação, o que me parece pouco provável; ou pelo aperfeiçoamento dos seus “males maiores”. Entretanto, o país mantém-se dividido entre duas grafias.

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